quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ALMAS GÊMEAS - DO ESPÍRITO VICTOR HUGO PSICOGRAFADO POR ZILDA GAMA

 

ALMAS GÊMEAS


MENSAGEM DO ESPÍRITO VICTOR HUGO PSICOGRAFADO POR ZILDA GAMA NO LIVRO - O DIÁRIO DOS INVISÍVEIS (P.147)


Deus, o Supremo Artífice, que semeou nas leivas azuis do Infinito cornucópias de estrelas como sobre a Terra flores, e nos ares de uma incalculável multidão de habitantes alados, quando aprouve aliar à matéria a maior maravilha do Universo depois dEle --- a Alma, --- o sopro divino, a luz inextinguível, o impalpável, o imponderável e que, no entanto, resiste, qual o diamante às vibrações potentes do camartelo da Eternidade: disseminou pelo Cosmos, em diversos planetas, os incontestáveis seres animados pelo radioso e imperecível átomo deífico.

Assim como fez Ele iguais às rosas nascidas no mesmo hastil, os astros com a mesma cintilação, os mares com a mesma sonoridade, os sóis com o mesmo fulgor cálido, creou na mesma essência indescritível as almas que, na mesma éra, iniciaram úteis peregrinações em mundos primitivos, e , depois, separadas em pontos diversos do globo terrestre, conservam, umas das outras, reminiscências indeléveis.

Às vezes não se encontram em algumas jornadas terrenas, - quando uma delas comete delitos graves e retarda o seu cinzelamento psíquico, outras há, porém, que, logo, nos primórdios de uma existência, se reúnem e se reconhecem, fitando-se longamente, aguilhoadas, às vezes, pelo afeto de íntimo parentesco, nascidas sob mesmo teto.

Então, na voz dos entes que vivificam, recordam um timbre familiar e muito amado. Há, em seus olhares, algo de estrela ou de esmeralda, que desce até o âmago dos corações palpitantes, balsamizando-os, dulcificando-os, inebriando-os.

Quando os compreendem que se revêm alfim, que os seus espíritos foram germinados no mesmo instante, perlustraram o mesmo carreiro, tornam-se nos seus íntimos, qual uma alvorada espancando bruscamente as trevas de uma noite que parecia intérmina…

Sim, as trevas em que jaziam antes de se reverem, pois as almas isoladas, incompreendidas, enquanto lhes falta a consorcia que as deixou mutiladas, o lúcido fragmento que as integra por um consórcio celeste - o Amor, vínculo estelífero que as torna inseparáveis por toda a consumação dos séculos, - ficam imersas em penumbra, asfixiadas em desalento, envoltas em brumas polares…

Reverbera, porém, em suas mentes, a recordação vaga, mas reiterada, da outra que está distante e exerce sobre elas a atração de um magnete, é pressentida ao longe, gravita, como um satélite invisível, ao redor de seus corações ansiosos…

Em que orbe andará exilada?

Quantas miríades as separam, estando, entretanto, ambas unidas pelos elos indestrutíveis de um afeto que resiste aos séculos?

Quantos seres humanos passam assim a existência em amarga expectativa: sempre inquietos, insaciados, aguardando, inesperadamente, a aproximação da metade de sua alma… ficam insones, merencórios, e a sua vida vai-se-lhes transcorrendo lentamente, a mocidade extingue-se, a decrepitude os empolga e não vêm chegar nunca, a esperada creatura --- a noiva idolatrada ou o esposo estremecido…

Que prova mais acerba poderá haver para eles?

Pode alguém suportar, com um sorriso nos lábios, a falta de pão, o inverno mais ríspido, esperando que a Caridade lhes mitigue a fome, e o Sol ressurja para lhes aquecer os membros marmorizados em seus farrapos de luz… Pode um ambicioso ver desfolhados sonhos de grandeza, de fortuna, de triunfos, de domínios, com heroica resignação, mas, o que infelicita um ente humano, o que lhe faz empalidecer o rosto, desequilibrar-lhe o senso, pulsar celeremente o coração --- é a perda da alma irmã, ou sua ausência no transcurso de uma existência!

O seu mais inconsolável infortúnio é a espera vã da creatura idealizada, aquela que, em findos avatares, já compartilhou, na mesma taça, das amarguras e dos encantos de uma vida, já percorreu, de mãos entrelaçadas longa jornada, tornando-se, desde então, os seus espíritos, aliados eternos, gêmeos e indissolúveis como os afamados Siameses, iguais, pelas conquistas espirituais realizadas no mesmo plano, como duas estrelas da mesma constelação!

Felizes os que a encontram no alvor de uma romagem terrena, ainda bem na juventude lhe não enflora os corações com as fragrantes rosas da Esperança!

Há, então, no rosicler de uma existência a indestrutível fusão de duas almas, de duas luzes irradiadas de dois fanais divinos, a comunhão imaterial de dois seres que se tornaram gêmeos pelos sentimentos nobres que cultivam, pelos ideais que possuem, semelhando-se duas gotas de orvalho vertidas na corola da mesma flor!

Quando se reencontram estabelece-se, logo, estreito pacto de seus espíritos que caminham a par, pela selva da vida, mesmo que, depois a distância geográfica os separe por milhas --- porque são acordes os seus pensamentos, em harmonias as suas ideias e as suas crenças e assim ligadas, esposadas e inseparáveis, atravessam as procelas terrenas com a serenidade dos primitivos cristãos, que afrontavam os maiores tormentos com o olhar fixo no céu…

Ditosos que são! Que pode haver, neste planeta, algo que se compare à ventura que desfrutam?

Interrogue àquele que ainda não encontrou o Sósia de sua alma e a quem já o possui perto de si - um vos dirá que desconhece a felicidade e outro, que não a permuta por uma jazida de diamantes!

Que vale um império, uma glória, uma opulência --- se não tendes quem comparticipe de vossos domínios, de vossos triunfos, de vosso fausto?

A superlativa felicidade terrena --- só é comparável com que existe na consciência nívea dos justos ou redimidos, --- reina onde há o amor recíproco, sincero, profundo, abnegado, absoluto, indestrutível e esse só vibra nos espíritos afins, que se tornam iguais como asas de um mesmo pássaro, que o elevam onde só pode atingir o pensamento dos encasulados na matéria, e o distanciam menos do Firmamento ao passo que o afastam mais do solo.

Afortunados os entes que já fruem a edênica ventura de terem perto de si o fragmento da alma que lhes faltava para completarem uma aspiração, para juntos cumprirem redentoras missões planetárias!

Unidos, como Paulo e Virgínia, no prelúdio da vida ou nos derradeiros momentos de provas, ascenderão, um dia, às regiões de bonança que o Eviterno elaborou para o abrigo dos evoluídos, onde é perpétua a comunhão dos que se amam impolutamente!

E dizer-se de todos os seres humanos podem iniciar aqui esta ventura e não a buscam, ofuscados pelos bens efêmeros, pelo ouro, pelos gozos venais, pelas regalias sociais, retardando, por séculos, às vezes, a dita que lhes seria acessível, e é uma das mais sublimes do Universo, como poderiam atingir, no píncaro de uma elevada cordilheira, --- escalando-a penosamente, --- um floco de neve imaculada, o símbolo da alvura de uma alma redimida pelo amor santificante, a centelha celeste, o farol dos sentimentos que se não extingue com as borrascas da existência e norteia, os que têm, às fronteiras do Firmamento.

Como não crer, alguém, nesta ventura inaudita --- a que existe na aliança de dois seres que se amam perenemente?

Todas as creaturas têm, latente, no abismo de seus corações, o gérmen dessa aspiração, que viceja, se expande, floresce quando as almas, neste planeta, culminam a perfeição ou dela se aproximam…

Muitas, já com as faculdades espirituais lucificadas procuram unir-se a um ser de sentimentos idênticos aos seus, com o qual sejam compartilhadas duas sinas, com as de duas falenas, encerradas na corola de uma açucena sorvem a mesma gota de néctar.

Quem não busca realizar este ideal, --- o mais ambicionado na Terra, --- longe está do aprimoramento psíquico; ainda se acha saturado de egoísmo e afastado da luz como do Sol o centro do globo em que viveis… Quem anseia por efetuá-lo, perto se acha de alcançar o sumo conforto deste orbe --- o que provém do amor recíproco, leal, ilimitado, existente na fusão de dois destinos, de dois entes de sentimentos uníssonos, só comparável com o que há nas guaridas nos impolutos ou nas regiões sedeais!

Aos que já conquistaram oferecei um império --- o mais vasto que o de Bonaparte ou Carlos Magno no apogeu de suas vitórias; um tesouro superior ao de Monte Cristo; uma glória mais ampla do que a de Alighieri ou Chateaubriand --- para que reneguem a felicidade que fruem, para que se dissolvam os liames que ligam fortemente dois destinos em diversos avatares, vinculados pelas dores e pelas alegrias suportadas em comum, durante séculos, às vezes…

Tudo recusarão --- até o próprio Universo se o pudésseis ofertar-lhe em troca da preciosidade que possuem, --- pois é inapreciável, infinito, oceânico, o júbilo de se reverem unidos, as mãos enlaçadas, os olhares fitos mutuamente, como um casal de andorinhas celestes ensaiando um voo célere para onde existe Canaã de todos os sonhadores ou idealistas --- o Empíreo Constelado!

E, temendo que alguém os possa apartar novamente, aspiram refugiar-se na Eternidade, que é o emblema do sentimento que lhes vibra nas almas, que as inebria de aromas, de radiosidades e de harmonias, que lhes concedeu a perfeição penosamente conquistada e fará com que se ocultem numa estrela procurando um ninho de luz --- a luz que transfundiu numa só duas almas, duas asas que se erguem ao céu de um só impulso!

(Victor Hugo – Do Diário dos Invisíveis)











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